Coletivo Instrumento de Ver - Correio elegante : carta 10 - Forte Cultural

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domingo, 12 de julho de 2020

Coletivo Instrumento de Ver - Correio elegante : carta 10


Quanto tempo o tempo tem? Será que ele vai de um ponto ao outro? E esse déjà vu? Essa morte certa é ilusão? Quem disse que já é hora de dormir? Quantos anos se passaram nesses últimos quatro meses? Quanto tempo vai levar?

Exu matou um pássaro ontem com a pedra que arremessou hoje.

Em uma árvore grande, ornada com um pano branco mora Irôko, o Deus do tempo. Tempo esse, mergulho profundo nas incertezas. Perguntas e mais perguntas. Os ruídos dificultam a escuta, quase não dá pra ouvir as respostas. “É possível viver de arte?” - essa pergunta ecoa na alma e reverbera no corpo. Alguns podem sentir que tem opção, outros têm a arte como sobrevivência, o único caminho para existir. A arte enquanto modo de vida é essa corda bamba, pode parecer loucura ou extravagância caminhar em um fio, mas não podemos esquecer que a outra opção é estar no chão e, às vezes, esse chão pode ser areia movediça. 
Nos últimos dias nos dedicamos a contar nossas histórias, a olhar para as histórias que são contadas. Como quem conta um conto e aumenta um ponto, vamos recontando e reinventando os nossos caminhos, sem deixar de acrescentar novos pontos.

Histórias contadas, histórias vividas, histórias inventadas, histórias sonhadas, histórias adiadas. Um samba para cada


Era para ter sido, mas ainda será. Uma cidade pequena, um país estrangeiro, uma língua estranha, na beira do mar. Gaivotas e outros pássaros, que não sabemos o nome, pousam nos mastros dos pequenos barcos, que dormem na baía. A gente de cá não parece achar que viver de arte é um luxo. Em uma cidade vizinha, está um dos circos edificados mais antigos do mundo. Viemos para pesquisar e construir nosso novo espetáculo. Acordamos, comemos e dormimos no espaço de criação. Lá fora venta muito e faz frio. Há muita expectativa e medo. Mas não é medo da morte, é medo gostoso, do que está por vir, que antecede a estreia. Empenhadas em criar algo potente que faça tanto sentido para o público quanto faz pra gente, ficamos horas a fio imersas na sala de ensaio. Nesse lugar, do outro lado do oceano, isso não parece loucura. Aqui, esse é o caminho traçado das artes vivas (é assim que são chamadas as artes da cena). É bom estar nesse mundo e sentir na pele o respeito pelo nosso ofício. Mas somos forasteiras e não vamos construir casa nessas terras, estamos de passagem. Nosso sotaque diz de onde viemos e os enfeites de cabelo mostram que nossa carne é de carnaval e nosso coração é igual. O quebrado das cadeiras é nossa marca e vamos fazer a nossa gira para gringo ver que estamos inventando o nosso vocabulário. Com muitas rimas e expressões cantadas, vamos falando a nossa língua, levantando a voz e mostrando a cara. Não estamos aqui em busca de aprovação, queremos falar alto esse nosso dialeto sem tradução.



Avenida Central, Vila Planalto. Ali, ao lado do cabeleireiro, na rua da padaria, a galpoa. Paredes coloridas se destacam da imagem das gambiarras nos postes de energia. O portão grande fechado dá mais destaque para o desenho da fachada. Para entrar é preciso seguir um protocolo severo de limpeza. Uma de cada vez, ninguém se cruza. Mas nem sempre foi assim. Dias atrás, você chegava e havia música alta, corpos suados ou crianças correndo para todos os lados, os sorrisos eram largos e mostravam os dentes. Lá em cima, víamos mulheres desbravadoras, que chegaram aqui quando tudo isso ainda era mato. Viver de circo era uma arte para poucos e havia apenas uma trilha. Foram necessários facões e amuletos. Abrir o caminho nunca foi seguro, e sem saber o que tinha mais pra frente, foram indo. Caminho fechado, muitas encruzilhadas. Ouvidos atentos, corpos despertos, olhos abertos e de mãos dadas, sobreviveram na mata fechada. A intuição e as estrelas como bússola. Nessa história vocês são protagonistas, sempre tiveram ao nosso lado. Quando a galpoa nasceu, fortalecemos as paredes com o apoio dessa rede e assim sobreviveremos a essa crise geral e pandêmica, por termos vocês como companheiros de viagem. Já foram quase quatro meses. Estamos perdidas entre profundas incertezas, são perguntas e mais perguntas, os ruídos dificultam a escuta, fica mais difícil ouvir as respostas, mas é nessa trilha que seguiremos. Vem com a gente! 



Alguns desconfiam que isso seja loucura e não pode ser um modo de vida, mas afirmarmos que a roda está girando. Esse mês tivemos apoio de 92 pessoas que estão conosco nesse plantio. Porque alguém precisa cuidar das sementes da criação de novos mundos, estamos bem precisando de fertilidade agora. Continuamos, com os outros parceiros da Rede Circo Brasília, recolhendo uma parte do que recebemos para continuar espalhando as esperanças nesse nosso caminhar. 

A terra é seca e vermelha. Não respeitamos as estações - quando chove tem dilúvio e, se não chove, o ar seco racha a pele. O olhar apaixonado de um caçador de vagalume vai capturando imagens e registrando a vida que foi aprisionada nas torres do cerrado. Esse é o João. Não é o príncipe encantado e nem vem a cavalo, mas vem armado de lentes poderosas. Com suas armas, vem capturar a sua história, para que você possa re-contá-la do jeito que quiser. O ensaio fotográfico #trancaruaabreajanela é mais uma das nossas ações nesse tempo em suspenso. Um olhar que chega de fora, alguém ali pra confirmar que você ainda existe. João não vai subir. Nem beber café. Ele fica do lado de fora, de máscara, com a câmera na frente do rosto. Quatro metros de distância, ou oito, talvez. Você numa sacada, no parapeito, na janela, na porta ou no portão. Com o pé dentro e o olhar fora. Quer inventar sua história? Você pode contratar o serviço desse caçador, em um ensaio fotográfico exclusivo. 




Era uma vez, eram duas, eram três. O velho ditado já dizia que comemos com os olhos e, porque não acreditar que dançamos com a alma? Era terça e podia ser quinta. Era hora do café da manhã, mas as crianças podem chamar de almoço já que elas inventam o próprio tempo. Sempre às 8:30, a duração não é exata, depende do corpo. Alguns dias pode parecer que tudo passou muito rápido e, em outros, parece que se estendeu por séculos. O corpo é o ponto de partida, o cenário você escolhe. O carinho é serventia da casa e sua dona se chama Bela. Você é sempre bem vinda e bem vindo. O que acontece aqui não é só uma aula de circo, é você aprendendo a escutar seus ossos, respirar com a coluna e ver o mundo de cabeça pra baixo. 


Intrépidos circenses tropicais espalhados pelo linóleo. Os barulhos dos corpos alongados se mexendo, todos falando ao mesmo tempo, alguém puxa a cantoria. Quando estão juntos são um bando que olha pro céu estrelado de lua cheia armando uma folia na sua casa. Um mês inteiro de festejo. Eles cantam pela utopia e pela rebeldia, brincantes de um novo mundo. Como Luneta se batizaram, são onze artistas com corpos e habilidades diversas, que acreditam na força e variedade desse Núcleo Criativo. 

ÓTIMOMÁXIMO foi nosso primeiro espetáculo cancelado, no primeiro dia do decreto que fechou os espaços culturais de Brasília. 106 dias depois ainda não sabemos quando irá retornar. Enquanto isso, os lunetas se organizam para levar até a sua casa uma outra nova temporada. Dessa vez, você é convidada(o) para experimentar, treinar e criar. São 10 oficinas de equilíbrio de objetos, preparação física, acrobacias com objetos, dança, maquiagem e condução de criações, dentre outras. Quer saber mais sobre a T.E.M.P.O.R.A.D.A C.O.R.P.O? Acompanhe o perfil no instagram do grupo, essa semana eles lançam o formulário para inscrição. Todas as aulas serão por contribuição voluntária. O chapéu virtual será destinado à remuneração das professoras/monitoras e uma porcentagem doada para a preservação e permanência da galpoa. Tá difícil contribuir agora? Está tudo bem. Vem e se inscreve mesmo assim. 



Imagina uma lona. Quando sobe a treliça, já se avista o trapezista fazendo o seu melhor truque. Nesse picadeiro não tem coxia e o chão de terra batida é palco de sentimentos transformados em movimentos. A gambiarra ilumina a cena, o público preenche a lona em 360* e você nunca sabe por onde o artista vai entrar. A diversidade é regra e os frequentadores assíduos já fazem parte do show. Quando não tem espetáculo, eles que comandam. 

O circo é a porta do mundo e nele cabem muitos outros mundos. Nessa lona não cabem as palavras que querem nos aprisionar. A história contada repetimos de trás pra frente, invertemos os sentidos e contamos tudo de novo, cada hora de um jeito. Nossa arte é essa corda bamba, parece loucura estar andando nela, mas a outra opção é estar no chão, o que pode não ser possível. 

Hoje não tem espetáculo. Para manter a lona em pé quem assume é a La Boulangerie com uma rifa deliciosa, saudando essa brasilidade misturada com pitadas de francesisses, em uma cesta de gostosuras juninas que pode ser sua. O ingresso é popular, apenas R$10 por rifa, assim todos podem entrar. Com toda a liberdade de um circo imaginário, a gente inventa um número novo a cada apresentação. Na semana que vem já tem rifa nova e, claro, é surpresa. Se interessar escreve pra gente.



Um quadrado delimitado por linhas de luz. Uma nova fronteira é criada. É também um caminho. Transita-se entre o dentro e o quase fora. Texturas e formas estáticas e dinâmicas. O volume do movimento perturba a solenidade. Os olhos opacos marcam a reverência. Ou a submissão? O tempo acelera. Apanha-se ou se é apanhado pelo papel. Vara de pescar sonhos. Vara de lembrar o equilíbrio. O tempo equilibrista. Tada Ima: Somente agora. A realidade do momento presente. Sabedoria do bastão.* As palavras resgatadas são vinco, fronteira, encruzilhada. Vin\co é o espetáculo criado em parceria com a companhia dançapequena, do diretor Édi Oliveira. Dança do silêncio, da pausa, da contemplação. Será exibido ao vivo, no canal do Youtube do SESC DF, pelo projeto Viva Cultura, no dia 16 de julho, às 20h. Fica aqui o convite amoroso, é só clicar aqui e assistir conosco!

Uma roda virtual, onde as palavras são intimadas a gingar. Umbigadas. Quizumba de pensamento. Feijoada completa. Folia. Procissão. Um espaço para não esquecermos quais são as palavras que são armas para as nossas guerras. Esquiva como estratégia. Festejo como resistência. Nos apropriamos das nossas próprias palavras que foram esquecidas. Quiprocó antropofágico. As perguntas surgem como convite ao movimento. 

Na última semana nos perguntamos: “A ideia de circo contemporâneo vem de um pensamento colonizado?” em uma prosa boa, no nosso grupo de estudos. Guardamos desse encontro as palavras fronteira, trânsito, exclusão, dicotomias. A Julia levou um pouco desse carnaval de palavras para o encontro com Rodrigo Maheus e Zezo Oliveira, um chamado de encontro da Cia Catavento. Junto com Felipe Nicknig, gravaram um episódio do podcast Circonexo, que vai ao ar no dia 14 de julho, no spotify. Pega um assento, uma cervejinha, e vem ouvir uns causos sobre como cada um se relaciona com esse conceito inventado (por quem?) de circo contemporâneo. 

Já na próxima semana, trazemos para o jogo a terceira pergunta: “Só a antropofagia circense nos une?”. Chega junto, vem assuntar com a gente, revirar as palavras e des-contar histórias. Vai ser no dia 15 de julho, às 14h, no zoom, aqui nesse link.


Nosso picadeiro visual abre nova praça! Domingo dia 12, às 17h, tem função, não perca! Estamos confirmando a nossa próxima atração, para compartilharmos com vocês um momento de deleite e inspiração, seguido de um bate-papo sobre a experiência. Para entrar é só clicar aqui. 


Inté mais,

Bela, Bia, Julia e Maíra.

*Texto-crítica de Carolina Hofs sobre o espetáculo Vin\co.

Um comentário:

  1. É muita magia!...
    Circo é coisa boa; é coisa louca; é energia.
    E os artistas precisam de energia, de uma intercalação de palmas e gritarias com comida no prato.

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