Oi, Vocês estão aí ainda? Faz tempo que não aparecemos por aqui. São mais de três meses isoladas. Já não sentimos tanto a urgência. Nos demos tempo para olhar para trás. Tempo de olhar para dentro. Tempo de olhar pra frente. Muita coisa acontecendo lá fora e aqui dentro, ao mesmo tempo. Para qual mundo estamos olhando agora? É preciso muito movimento para encarar tanta ruptura. Movimento de enfrentamento e de recuo, jogo de dentro, jogo de fora, esquiva e golpe nas horas certas, tentando se conectar com as batidas, uma volta ao mundo para começar de novo, começar do meio mesmo. A pausa, a interrupção do fluxo é mandinga pra colocar o jogo pra cima, pra recolocar as energias, para dar espaço pra alegria, ou interromper quando algo não vai bem. Parar é uma chance de elaborar, dar atenção ao nosso existir. De onde a gente vem não tem espaço para desesperança, se olharmos um pouco para trás percebemos que herdamos um país de ciclos de violência e de muita resistência. Uma resistência cultural. Festa para invocar guerras, música para gritar as dores, dança para hipnotizar quadris. A gente aceita essa guerra colocando tudo pra dentro da roda. Mas a gente não quer só observar os redemoinhos aqui dentro, estamos pensando sobre criação. Até agora só colecionamos perguntas como pistas de problemas para pensarmos nas soluções, gambiarras criativas para momentos difíceis. No grupo de estudos dessa semana começamos do início, e destrinchamos um pouco a pergunta: “Considerando o contexto atual e a impossibilidade da presença física, como o circo pode materializar uma das suas características mais marcantes - mobilizar os corpos de forma sensorial?”. Você pode tentar responder por aqui também. Vai ser nosso tema de questionamento até o próximo grupo de estudos, quando a gente vira o tema. No próximo, dia 01/07 às 14h, vamos colocar mais uma pergunta dessas pra rodar. Quem vem? - Em que o isolamento se assemelha com um processo de criação? - A ideia de circo contemporâneo vem de um pensamento colonizado? - Só a antropofagia nos une? - Como deixar a realidade atravessar o corpo e continuarmos vivos? - É possível uma arte anti-viral em momentos de distanciamento social? - Como se transforma um corpo acrobático no confinamento? - É possível a disciplina circense em momentos de luto? - Qual é o espaço da alegria, agora? - Como ultrapassar a superficialidade das redes sociais para acessar o público de forma potente? Para começar a enfrentar essas perguntas, nós colocamos um ritual: dar voz às emoções, convidar cada uma pra entrar na roda. Respeitável público, com vocês - no picadeiro - as emoções: |
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O caos De fora uma normalidade, um olhar sereno e um sorriso amigável. Dentro, medo e angústia. A solidão é rainha e deita na cama, desfeita. O choro constante das crianças lembra o desespero da humanidade. Choram por nossos mortos mas sobretudo choram pelos vivos. Na eterna busca por tapar os buracos, as coisas vão chegando e se achegando. Uma empurra lá a outra aperta de cá e sempre cabe mais uma. Coisas são femininas e gostam de dançar, minhas eternas aliadas. Em ritmo acelerado, elas estão sempre achando um espaço para se aglomerar. Neste funk descompassado, vou invadindo os espaços, entro até pelo buraco da sua orelha. Tá sentindo uma agitação? Eu sou a alegria da coabitação, eu sou família grande, sou excesso e faniquito. Você pode conviver comigo ou lutar contra mim, eu danço conforme a música. |
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 Por entre as emoções, a vida. A vida é ação? Nos colocamos em movimento, tentando negociar com o caos. Ele é também matéria de poesia. É preciso aceitar o que vem, sem perder o jogo de cintura, o que vai nos salvar é a malemolência. Então vamos assim, um pouco de caos, um pouco de salada. Toda semana nos perguntamos como vamos fazer para sobreviver nesse estado de emergência. Estamos tentando editais que estão sendo lançados para iniciativas culturais online. A nossa opinião é que muitos deles se aproveitam dessa situação delicada em que a arte foi colocada para fazer cortesia com nosso chapéu. Valores mínimos, condições irreais, exigências mis em um momento em que temos que lidar com uma incerteza absurda em relação ao que é fazer artes vivas. Se é na presença, no sensorial, no corpo a corpo que se dá nosso trabalho… Decidimos começar alguns exercícios criativos para trazer tanta coisa que tem nos atravessado para o corpo. Muita mutreta pra aguentar a situação… |
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Um mundo novo Eu sou uma casa grande de paredes amarelas. Longe de ser ideal, te boto medo. Em meio a infiltrações, goteiras e azulejos quebrados, você pode ver a mata. Aqui parece ter espaço para todos. As crianças podem brincar no jardim e quem estiver cansado pode dormir na rede. Não sou perfeito. Ainda assim sou o que você pode imaginar. Acontece que só existo se você quiser, se todos quiserem, se me fizerem sacrifícios, oferendas e rituais. |
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O que a gente sonha hoje vai ser o mundo amanhã. Nosso futuro a gente constrói agora. São frases que ressoam na nossa cabeça depois dessa temporada do grupo de leitura. Fomos de Alain Veilleux ao Ailton Krenak, passando por Paul B. Preciado e pelo Indigenous Action. O que eles têm em comum? Colocam a responsabilidade da nossa sobrevivência no que fazemos, nas nossas ações. Queremos segurar o céu com o que fazemos, é nosso papel deixar tudo isso nos tocar e respondermos com circo. Parece óbvio, mas neste momento temos nós mesmas que reafirmar nosso lugar no mundo. Afinal, são três meses, não são três dias. E não sabemos quanto tempo mais. Sem fazer drama, nosso mundo literalmente acabou. De repente não podemos estar nesse mundo, não recebemos dinheiro, não podemos fazer o que sabemos fazer. Ouvimos muito falar de que os artistas vão ter que se reinventar..., mas essa palavra é nossa velha conhecida. Criação, invenção, reinvenção... é o que fazemos! Quando falam em reinvenção dos artistas, às vezes parece que estão dizendo que não tem mais espaço pra gente no mundo. Então, precisamos gritar: estamos aqui, o céu está em queda, mas vamos tentar segurar até o fim. |
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 A paixão Não se engane, o encontro é só desculpa pra mim. Eu vivo é nos intervalos. Estou, transbordando, nas frestas. Me inflamo na fina camada de ar que desenha o toque, sou labareda. Para me convocar, não é necessária uma fogueira, faísca pega rápido se tiver sede. Mas sustento poucos metros. Intervalo não é pausa, é vírgula. Moro na língua. Derramo saliva, lubrifico espaços. Meu ofício é a dança, provoco os movimentos a partir dos quadris. Eu faço que quero chegar mas não chego, cresço no caminho, e sei qual é o caminho pelo cheiro. Desrespeito distâncias, atravesso feito flecha, sou eu própria o movimento. Mordo seus olhos, atiço os movimentos cardíacos, não tenho respeito. |
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Toda semana a gente faz uma rifa nova, vocês viram? É inusitado... temos colocado bastante energia nela! Na verdade, se formos pensar, a ideia é ótima: com muito pouco (cada número é R$10) você contribui para uma rede na qual estão envolvidos uma artista que nos doou uma peça ou um serviço ou que fez parceria com a gente, um espaço cultural fechado e artistas circenses em situações de vulnerabilidade social - não é sensacional? Mas é sempre aquele frio na barriga - toda semana temos que fechar 50 números! Estamos divulgando por e-mail, whatsapp e instagram. Nos acompanhem por lá e nos ajudem a fortalecer a ideia! Aos domingos fazemos o sorteio ao vivo, trocando um dedo de prosa com a artista parceira da semana, é sempre um papo bom, gente aberta, gente certa. |
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O cansaço Posso invadir o seu corpo ou suas ideias. Chego de mansinho ou de supetão. Quando apareço transformo tudo, cores, gostos, toque. Me alimento da sua vontade, às vezes estou faminto. Apareço soberanamente à escassez ou ao excesso de estímulos. Se você faz muitas coisas ou se não faz nada, posso aparecer. O motivo dessa minha presença, #ficaadica, é que tenho sede, tenho sede na exatidão dos estímulos. É que existe uma dose certa, se passa, azeda. A diferença entre o veneno e o remédio é a dose. |
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Para organizar esse tanto de emoção, nada melhor que um momento físico e ativo distribuído no meio da semana. Um compromisso saudável, livre e respeitoso ao momento. Pode ser que a sensação de cansaço físico pareça atraente. Vale lembrar que as aulas de circo em casa da Bela continuam acontecendo às terças e quintas das 8h30 às 9h30. Ao vivo e online pelo app zoom. Você consegue acessar as aulas por esse link aqui. As aulas acontecem como uma das nossas ações para esse momento e funcionam à partir de contribuição voluntária. |
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 A decepção Acontece que te falta malandragem, eu te tomo pelos caminhos mais esperados, assim como não podia deixar de ser. Te coloco nos eixos. Esperou demais minha filha, tá querendo muito, tá sonhando para além da conta, pisa no chão! Olha, encara de frente, tira essa neblina. Te chamo na chincha, te dobro do avesso, preencho a sua língua com um gosto amargo. Eu chego de uma vez, lanço logo o pé na porta. Não era eu que você estava esperando? Eu percorro todos os caminhos do seu desejo, exploro com um holofote. É luz demais, né? Meu rosto é uma carranca assustadora, mas não seja besta, só posso espantar os males se encará-los de frente. |
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A gente faz mandinga pra espantar os males. Vocês viram? Entraram lá na exposição virtual do #trancaruaabreajanela ? Testamos os limites para mostrar que sim, eles estão aí, mesmo com essa vontade estranha de voltar para o normal. Não temos mais pra onde voltar, vocês estão vendo? Estamos sentadas, penduradas, encostadas, viradas e emolduradas nas janelas. Tá tudo virado, não tem outro lugar para estar agora. Ou entramos ou olhamos pra vocês daqui. Vocês podem nos ver daí? |
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Quer passar por essa experiência? O João Saenger está oferecendo esse ensaio fotográfico aqui em Brasília. A ideia é simples, vocês trocam algumas informações e ele vai um dia aí do lado de fora da sua casa para te fotografar. Quer fazer um ensaio com o João? Escreva por aqui que te damos todas as informações. |
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O luto pelas mortes desconhecidas Seu sorriso parece inadequado, parece que não tem espaço para a alegria. Você sente alívio por não ter sido com você e se envergonha. Essa vergonha pesa, te arrasta pelos cantos da casa. Eu preencho os seus sonhos com um cinza transparente. Está quase tudo igual mas você sente um cheiro estranho. É aqui, tem algo queimando no fogo? Não, deve ser aí perto. Por segundos você me esquece mas eu te lembro logo nos primeiros minutos do dia. Eu sou um metrônomo na sua cabeça, tenho alterado o ritmo das batidas do seu coração, você sente, está prestando atenção ou está fingindo que não está vendo? |
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Nas últimas segundas-feiras, aqui em Brasília, um grupo grande e bem diverso de artistas realiza uma performance em monumentos da cidade. A ideia é homenagear os mortos. São muitos. No momento em que escrevemos essas linhas, são 51.407. Cada número desse, uma pessoa. São formas de velar por cada uma dessas pessoas, de simbolizar tamanha tragédia. Dá pra acompanhar pelo instagram, tem transmissão ao vivo no perfil @quempartiueoamordealguem. É uma criação coletiva, dirigida por Hugo Rodas. Na equipe, constam VJs que fazem projeções contundentes nos monumentos. Na última performance, os profissionais de saúde foram homenageados. Na próxima, nesta segunda dia 22 de junho, a homenagem será para os povos indígenas, que estão sendo duramente afetados por essa pandemia que já dura 500 anos... |
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  O ritmo Estou com dificuldade de reconhecer essa nova canção. Minha forma de te acompanhar não está casando com os acordes. Eu estava tão acostumado a ouvir as demandas externas, essas demandas que te aceleravam e aniquilavam a sua subjetividade. Talvez eu tenha que me desligar dos sons externos e ouvir os sons que ressoam de dentro para fora. Acho melhor apertar o botão do pause na canção antiga. Tem som aqui dentro, tem intervalo, tem cadência. |
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A gente resolveu bater palmas no contratempo. Não dá pra brigar com o descompasso. Às vezes é melhor boiar e esperar um pouco o dançar das ondas do que ir contra a maré. Talvez nosso tempo de produção agora seja quinzenal. Vamos testar assim, nossas respostas são sempre grandes experiências.. Aliás, estamos sempre aceitando sugestões de ações, não hesite em responder essa carta, como te provoca, o que você imagina a gente fazendo? |
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A angústia Eu moro na sua respiração, no suspiro longo que sai do peito. Amiga fiel da incerteza e do medo. Em tempos sombrios eu sento na sala e faço a festa. Tentar me compreender no olho do furacão é uma batalha perdida. Negar a minha existência só aumenta minha força. Me esquecer é impossível, você me carrega no peito. |
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Viver de arte sempre foi muito inseguro, estamos nessa batalha há 18 anos. Mas nunca foi tão incerto e amedrontador como agora. Continuamos com a galpoa, coragem por aqui nunca faltou. Ainda precisamos de vocês, não parece que estamos perto de uma reabertura ainda. Estamos começando a tentar visualizar como seria a reabrir quando a curva do contágio no Brasil começar a abaixar. Abrir para treinos individuais, ensaios com uma ou poucas pessoas, temos muito o que entender para poder planejar. Mesmo que ainda seja uma especulação, temos que nos antever, já que não temos um plano governamental de controle ou redução de danos dessa doença. Mas, por enquanto, ainda faltam R$2.000,00 para pagarmos as contas deste mês, precisamos muito de vocês. Continuamos recebendo doações nas nossas contas ou, se for melhor, podemos gerar boleto. Qualquer contribuição é bem vinda, seja em dinheiro em afeto ou compartilhamento dessa rede para que tenhamos um maior alcance. |
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